Lembranças, só lembranças…
Quero, das recordações, fazer uma espécie de vitamina espiritual. Trabalhar. Ler. Rezar. Ainda que com o auxílio de medicamentos como Vellija e outros que me foram receitados, compondo meu consumo farmacêutico diário.
Nosso amor não nasceu em uma casinha pequenina, como muito cantou Sílvio Caldas, mas foi por ela fortalecido, quando dos problemas nos isolávamos, no nosso lar instalado dentro das matas do Tocantins.
As cadeiras de fios, compradas nos caminhões de beira de estrada, e a cadeira do papai, de napa, foi seu penúltimo presente de aniversário. Simples como todo o ambiente da casa.
Compartilhar a companhia um do outro, nesse local tranquilo e acolhedor nos conectava com a natureza e a harmonia da liberdade. A Bíblia nas minhas mãos para a leitura diária; e as dele segurando o celular, a consultar as variações do preço do gado.
Alguém duvida que, mesmo em meio às centenas de cabeças de boi – que parecia uma nuvem de nelore esparramada sobre o chão -, nós vivíamos intensamente a simplicidade e, por isso, éramos muito felizes?
Juntos, fazíamos queijo na prensa artesanal. Assávamos o peixe que vinha dos afluentes do Tocantins, quando não do grande rio. Nessas horas recordava a minha infância, quando auxiliava minha mãe (Maria Alice) a limpar os peixes trazidos da frente da nossa residência, nas águas oceânicas da Praia de Tambaú. Ela tinha quase a idade do meu marido. Como contemporâneos, possuíam muitos gostos em comum. E quando ele comparava o temperamento dela ao meu, na forma de viver e no trato descomplicado e alegre com os peões e suas mulheres, eu me sentia, por alguns instantes, virtuosa, como ela sempre foi.
Estou aqui, Meu Amor! Na Fazenda São Judas, onde momentaneamente afastados das nossas obrigações cotidianas, nos dávamos ao direito de deixar, de lado, os títulos de Governador, Senador, Desembargadora. Não queríamos nem mesmo sermos vistos como proprietários rurais… apenas como um casal companheiro, desfrutando de intensa cumplicidade provocada por esse lugar. Invocando essas lembranças “aqui era nosso ninho de amor”.
Por isso mesmo, pergunto: como suportar ficar aqui sozinha?
Quem afugentará as cobras que aparecerem na casa e no alpendre? Era você quem tomava essa providência para aplacar o meu medo, que me levava a fazer algo raro: Gritar de pavor… para, em seguida, ouvir sua sábia orientação: devemos ter mais medo de alguns seres humanos que são mais perigosos e traiçoeiros do que esses animais.
Hoje, estou só! Sozinha nesse paraíso!
E, confesso: mais do que com medo dos répteis e insetos, que, apesar das telas protetoras podem eventualmente entrar em casa; estou com receio de enfrentar, sozinha, a serpente que enganou Eva, e pela qual o meu Adão nunca se deixou ludibriar.
Prometo, porém, que não ficarei inerte em meio às dificuldades. Continuarei buscando, e hei de alcançar as forças para seguir em frente.
Botas nos pés, chapéu na cabeça, caminhonete pronta! Com a segurança que você sempre teve, vou dirigir o automóvel e a fazenda. Só uma cena não será repetida: sentar, ao seu lado, naquelas cadeiras simples da sala, que, pela importância dos momentos nelas vivenciados, representam verdadeiros tronos de nosso império de mundo feliz.
Permita-me, sem que ninguém veja, derramar todas as lágrimas, de um poço de saudades que não seca; tomar os remédios a me ajudarem um sono tranquilo; e pedir a Deus, “Por favor , Senhor, preciso, mais uma vez, sonhar com Nosso Amor. Conceda-me a graça de, durante a noite, ter a companhia de quem jamais terei à luz do dia”.
Fátima Maranhão