Tragédia climática no RS revela o melhor e o pior do ser humano: a solidariedade e o crime
Enchentes, tragédias, terremotos ou acidentes revelam o melhor e o pior das pessoas. O melhor é a solidariedade máxima. É amor, carinho, atenção, gentilezas e voluntarismo. Ajudar sem olhar para a cara do beneficiado. O pior é aquela índole desgraçada de saquear, roubar, não ter o mínimo de empatia. Tirar vantagem do sofrimento alheio. Quem nunca viu ou ouviu casos de pessoas roubando um caminhão acidentado cheio de alimentos ou bebidas? É um fenômeno comum neste país de contrastes, mas também de outras dezenas e dezenas de países. As pessoas acidentadas não interessam. Que se danem, devem pensar.
Chile, Turquia e México, que enfrentam terremotos com frequência, também se deparam rotineiramente com o pior da raça humana. As pessoas soterradas que se lixem. O importante é levar alguma coisa que possa ser útil ou procurar tesouros, joias e dinheiro. Os relatos são gigantescos na internet. Ganância. Oportunismo. “Maucaratismo” na sua forma mais brutal. Desumanidade pura.
Aqui na nossa enchente, a solidariedade e as doações ganharam quase nota dez, não fossem os desvios, os roubos, os saques de casas vazias, os crimes contra o patrimônio alheio. De roubo de água a computadores. De bens baratos a bens milionários. Tudo aconteceu e está acontecendo. Ainda.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul está investigando casos piores do que simples roubos, se é que existem roubos simples. O órgão apura o desvio de doações destinadas às vítimas das enchentes em vários municípios.
Duas destas cidades são Palmares do Sul e Mostardas, no litoral norte. Ali, políticos para lá de inescrupulosos e com adjetivos da pior qualidade aproveitaram os cargos que ocupam para desviar donativos para suas residências e utilizá-los como moeda de troca por votos nas eleições deste ano. Existe safadeza pior que esta? Existe, claro, mas nesses casos as pessoas revelam o seu mais profundo “escrotismo”, o seu estado de verme absoluto. O mesmo tipo de crime ocorreu em Eldorado e em mais um monte de municípios que estão sendo investigados, entre eles Barra do Ribeiro, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Cachoeirinha.
A operação no litoral norte resultou na apreensão de donativos doados por entidades de vários estados. Os crimes investigados são apropriação indébita, peculato e associação criminosa, praticados por um vereador, sua companheira e um secretário municipal, de acordo com o Ministério Público do RS.
“Não descartamos e estamos apurando a participação de mais envolvidos nesse desvio. Isso porque são vários os relatos da população que mencionam diversos vereadores se aproveitando dessa tragédia para benefício próprio e eleitoral”, destacou o promotor de Justiça Mauro Rockenbach, responsável pela operação, em entrevista para o G1.
Os roubos e os crimes começaram no início da enchente em finais de abril. O vaivém de barcos de resgate às vítimas nas zonas alagadas avivou a sanha, a fúria e a violência dos bandidos. Todos os bairros atingidos de sul a norte da capital gaúcha tiveram casos e relatos de saques a lojas e casas e ataques a embarcações de resgate. Esta roubalheira levou até ao fato de voluntários desistirem de incursões de socorro à noite, o que certamente impediu que muitas pessoas fossem salvas.
Polícia Civil, Polícia Federal, Defesa Nacional e Exército tiveram que perder tempo com esta gente em vez de se dedicar integralmente ao salvamento e à ajuda aos flagelados. O crime em todas as frentes das cheias até acionou o medo dos moradores de vários bairros, que resistiram e ainda resistem ao temor de furtos. É incrível, mas ainda existem bairros sem água e sem luz, principalmente os mais pobres e humildes.
O secretário da Segurança Pública gaúcho, Sandro Caron, prometeu, em entrevista à Rádio Gaúcha, “prender todo mundo” que está praticando furtos, assaltos e arrombamentos. A Brigada Militar confirmou, até o momento, a prisão de quase 150 pessoas por tentativas de saques e roubos e por suspeita de estupros em alojamentos.
Há também horrores de fraudes e pedidos de PIX pela internet. O escrúpulo foi para o beleléu. O negócio é roubar. Quanta gente está lucrando com a desgraça alheia? Milhares, sem dúvida. Este negócio de enviar dinheiro exige cuidado e atenção de quem doa. Quantos PIX você já disparou para ajudar alguém ou a pedido de alguém? Serão todos realmente doações? A dica é ficar antenado. O que se está pedindo é uma barbaridade. Por isso, muita atenção!
Com tantos alertas sendo dados, nesta quarta-feira (5), uma empresa paulista, segundo noticiário da Rádio Gaúcha, decidiu encaminhar suas doações e recursos diretamente aos seus representantes no estado. Ela ficou desconfiada ao saber por relatos de várias pessoas que as coisas não estavam chegando a quem realmente precisava. E todas estas doações que vocês, eles e nós fizemos estão chegando aos locais realmente necessitados? É uma questão para se pensar. A nossa tragédia tem, sem dúvida, o melhor e o pior de milhares de pessoas. Fique de olho bem aberto!
Brasil de Fato – Eugênio Bortolon é jornalista.